“Crack – A droga da morte?” por Cynthia Baldi
O governo e a mídia que, antes apenas criminalizavam os usuários, passaram a tratar a questão como um problema de saúde pública. O que poderia, num certo sentido, se configurar enquanto um avanço no que concerne às “políticas de redução de danos” se transformou em mais uma ferramenta de exclusão social.
Crack – A droga da morte?
Na última década, muito tem-se falado sobre a nova droga que chegou ao Rio de janeiro. A mídia passou a dar bastante visibilidade à questão, denominando o conjunto de substâncias como a “droga da morte”, o que se justificaria pelas informações que veiculava de que o crack viciaria logo no primeiro uso e mataria o usuário ainda no primeiro ano de consumo. Sabemos que não é uma droga nova pois, sobretudo, em São Paulo, era consumida e vendida há muito mais tempo. Com o passar dos anos e o estabelecimento do comércio da droga, essas primeiras “verdades” veiculadas pela mídia foram se configurando enquanto falsas pois, o número de consumidores cresceu, principalmente nas camadas mais pobres da população especialmente por ser uma droga de baixo custo. Por outro lado, constatou-se que a mortalidade provocada pelo consumo da droga não é significativamente maior do que a mortalidade verificada pelo uso de outras drogas.
Entretanto, a nominação dada pela mídia é bastante pertinente, mas por justificativas outras. Efetivamente, os usuários do crack foram e são estigmatizados de forma tão maciça que promoveu uma verdadeira “morte social” para essas pessoas. Isolados nas crackolândias, são fonte de medo e desconfiança para o resto da sociedade. São considerados incapazes de qualquer tipo de atividade social, abandonam famílias deliberadamente em função do vício…
O governo e a mídia que, antes apenas criminalizavam os usuários, passaram a tratar a questão como um problema de saúde pública. O que poderia, num certo sentido, se configurar enquanto um avanço no que concerne às “políticas de redução de danos” se transformou em mais uma ferramenta de exclusão social. Desse modo, aprovou-se a lei que permite a internação compulsória do consumidor regular do crack com o apoio de parte significativa da população. Diversas arbitrariedades e abusos começaram a ser praticados contra essas pessoas em função da internação compulsória. A morte social tornou-se legitimada legalmente na cidade do Rio de Janeiro.
Acredito, tendo em vista a perspectiva psicanalítica, que uma internação contra a vontade do sujeito é incapaz de produzir qualquer efeito positivo sobre a compulsão. Mais que isso, não adianta apenas afastar o sujeito do objeto de sua compulsão – droga – é preciso estar atento ao processo de repetição da própria compulsão e não ao objeto privilegiado eleito por ela. É preciso escutar a compulsão para que ela encontre outras formas de repetição expansivas que não se restrinjam ao aprisionamento da repetição do mesmo, ao invés de afastar simplesmente a droga. Nesse sentido, é interessante pensar, por exemplo, que não se pode afastar definitivamente um obeso mórbido, do seu objeto de compulsão – a comida – pois ele morreria de fome. É necessário um trabalho psíquico que trate da compulsão e auxilie o sujeito a lidar de outra forma com esse objeto.
Por esse viés, acredito que a única forma de minimizar os efeitos produzidos pelo comércio das drogar ilícitas seria sua descriminalização irrestrita. Dessa forma, grande parte dos efeitos nocivos sobre o sujeito criminalizado, estigmatizado, excluído e morto socialmente seria sanado. Haveria assim, uma maior possibilidade de que sujeitos que elegeram a droga como objeto compulsivo tivessem possibilidades reais de se livrar dessa compulsão. Claro que, aliado a isso, seria necessário que políticas de redução de danos fossem levadas a cabo e que governos e mídia deixassem de ser um obstáculo à sua efetivação.
Cynthia Baldi
Membro em formação da FF
Doutora em teoria psicanalítica
Mestre em ciência política
Graduada ciências sociais