Com Vinícius Monteiro. Terças-feiras, 10h.

A invenção da psicanálise no final do séc. XIX e início do séc. XX poderia sugerir a um entusiasta incauto que Freud fez uma descoberta radicalmente inovadora e sem precedentes, que revolucionou de maneira abrupta e surpreendente a maneira pela qual o ser humano passou a compreender o seu psiquismo. Mas no final do séc. XX, no interior de uma reflexão sobre a história da sexualidade humana, Foucault empreendeu uma “genealogia da psicanálise”, isto é, uma investigação dos saberes, instituições, costumes e poderes que seriam os “ancestrais”, às vezes “nobres”, outras vezes “plebeus”, dos “saberes psicanalíticos”.

A pesquisa histórica foucaultiana foi bem longe, chegando à Antiguidade greco-romana e, às vezes ainda mais distante, aproximando-se até mesmo do período pré-histórico. A partir da influência do pensador francês Pierre Hadot, seu contemporâneo, Foucault considera as práticas de terapia da alma presentes na filosofia greco-romana, e a partir da influência do antropólogo francês Claude Lévi-Strauss, também seu contemporâneo, Foucault considera a “terapia da alma” xamanística. O ser humano em busca do autoconhecimento e da cura de suas doenças psíquicas, descobrindo realidades que, embora ocultas e disfarçadas, habitam sua própria alma: isto, certamente, não é algo inexistente antes da psicanálise.

Mas a questão não passa necessariamente ou exclusivamente pela interpretação que Foucault faz do pensamento inaugurado por Freud. Mostraremos no curso regular Genealogia dos saberes psicanalíticos, a ser oferecido na Formação Freudiana no primeiro semestre de 2023, que pensadores seminais do nosso campo de conhecimento, como Ferenczi, Lacan e o próprio Freud, eram leitores atentos da filosofia antiga e da antropologia, e percebiam claramente a importância desta herança de “espiritualidade” – como se expressa Foucault, em sua Hermenêutica do sujeito – recebida pela psicanálise e fundamental em sua constituição. Pois, como pergunta o psicanalista lacaniano francês Jean Allouch no título do seu livro já traduzido para o português, “A psicanálise é um exercício espiritual?”

Bibliografia básica

ALLOUCH, Jean. A psicanálise é um exercício espiritual? Campinas: Unicamp, 2014.

FOUCAULT, Michel. A coragem da verdade. São Paulo: Martins Fontes, 2011.

FOUCAULT, Michel. O governo de si e dos outros. São Paulo: Martins Fontes, 2010.

FOUCAULT, Michel. Hermenêutica do sujeito. São Paulo: Martins Fontes, 2006.

FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 2. O uso dos prazeres. Rio de Janeiro: Graal, 1984.

FOUCAULT, Michel. História da sexualidade 3. O cuidado de si. Rio de Janeiro: Graal, 1985.

HADOT, Pierre. Exercícios espirituais e filosofia antiga. São Paulo: É Realizações, 2004.

HADOT, Pierre. O que é filosofia antiga? São Paulo: Loyola, 2004.

LACAN, Jacques. O seminário. Livro 8. A transferência. Rio de Janeiro: Zahar, 2010.

LÉVI-STRAUSS, Claude. Antropologia estrutural. São Paulo: Cosac Naify, 2008.