Mobilização Clínica: uma experiência clínica no espaço virtual do faz-de-conta.

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Clara Akiko Kishida

(Psicanalista, fundadora da Formação Freudiana e integrante do Conselho Consultivo da instituição)

É no brincar que as crianças, e adultos, lidam com os mistérios da vida e inventam modos criativos de viver. Freud, em seu texto “Escritores Criativos e Devaneios”, e Winnicott em toda sua obra, sobretudo em seu livro “O Brincar e a Realidade”, dão relevante destaque ao papel do brincar no acesso a uma vida sentida como algo que vale a pena.

A Mobilização Clínica, inventada por Chaim Katz, é uma modalidade elaborada de brincar. Um número variável de pessoas que querem ser analistas “quando crescerem”, junto com analistas mais experientes, sendo um deles coordenador da atividade, sentam-se em círculo para dar início a uma vivência clínica singular. Uma pessoa se oferece para, sentada no centro do círculo, fingir ser um de seus pacientes em cujo atendimento sente dificuldade. Sentada diante dela, outra pessoa vai fazer de conta que é o analista. Os demais não ficam de fora da brincadeira. Em momentos que acharem oportuno, intervirão como analistas.

Uma vez estabelecido esse protocolo, o coordenador dá início à sessão, sem que haja nenhuma explicação ou contextualização prévia do caso. Desse modo, o que vai se desenrolar a partir de então é da ordem do imprevisto, do improviso, pura brincadeira séria, como a das crianças. O paciente, personificado na interpretação teatral de seu analista, se defronta com o analista da vez e com o grupo em volta, e vai ganhando consistência dentro de um horizonte de sentido que vai se desenhando. Os improvisos suscitam a abertura de novos sentidos.

Essa profunda imersão na encenação tem seu fim quando o coordenador percebe que a experiência completou um circuito, ou quando ocorre um esvaziamento de sentido. Eventualmente, pode ocorrer uma situação análoga a quando uma brincadeira de crianças começa a degringolar (fracassar) por excesso de excitação, e um adulto precisa intervir. Encerrada a sessão, os protagonistas voltam ao círculo junto aos demais presentes e passa-se a elaborar o que foi vivido. Troca-se livremente as impressões. Os afetos despertados são verbalizados e o caso ganha outro grau de elaboração.

A Mobilização Clínica é praticada na Formação Freudiana desde a constituição de sua primeira turma, e até hoje a passagem por esta experiência é considerada essencial para a formação de seus analistas.