Temporada
Textos de Marta Mosley e Andréa Espinola, em escrita livre sobre o filme Temporada (2018), para o Módulo Entre Psiquiatria e Psicanálise.
Direção e roteiro: André Novais Oliveira
Elenco: Grace Passô, Russo APR, Rejane Farias
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Temporada é um período, uma estação, um espaço de tempo determinado… O singelo e delicado filme Temporada trata do cotidiano simples de Juliana, que trabalha como agente de endemias no combate à dengue em uma cidade no interior mineiro.
Juliana é mulher, preta, pobre e gorda, e en-carna muitos dos estereótipos do preconceito e da marginalização. O enfrentamento diário de seus medos – o escorpião, a escada, os tiroteios – parece prepará-la para o enfrentamento da vida. O distanciamento de sua cidade natal e a solidão permitem, pouco a pouco, a elaboração de seus lutos: a morte da mãe, a perda do bebê, o casamento falido, a ausência de referências da cidade que ficou pra trás.
Em uma conversa com a prima, Juliana divaga: “Às vezes fico pensando nessa coisa de destino… é que tem coisa que acho que já tá escrita mesmo… mas tem coisa também que é a gente que faz, a gente que controla…”.
A aposta num novo trabalho era também uma aposta na vida: um novo lugar, novos encontros, o erótico, o humor nas amizades. De uma vida desencantada, subjetivamente empobrecida, a saída de sua cidade provoca um deslocamento espacial e tem como resultado uma mudança de posição subjetiva.
Mas essa temporada, como o nome indica, era provisória, e Juliana se lança em um salto ainda maior: com um gesto espontâneo, assume a direção do carro, e num ato de pura alegria, se dá conta de que também pode dirigir a própria vida, controlar o seu destino. Temporariamente… E como dizia Winnicott, experenciar “uma vida que vale a pena ser vivida”…
Marta Mosley, membro em formação da Formação Freudiana
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Temporada no divã
“Vivemos esperando
Dias melhores
Dias de paz, dias a mais
Dias que não deixaremos para trás
Vivemos esperando
O dia em que seremos melhores
Melhores no amor
Melhores na dor
Melhores em tudo”
Dias melhores – Jota Quest
Lidar com objetos acumulados, abandonados, guardados, contidos, antigos, quebrados, contaminados. Acessar as camadas, revolver a arqueologia, revisitar a ontogenia. Regredir, resistir, expandir. Tem lugares onde a gente não quer nem colocar as mãos. De um lado é isso. É esse desafio. Subir essa escada pra ver o que se vê. A gente pensa que não vai dar conta. E o que seria dar conta? Melhor focar em apenas subir. Se lançar. O caminho que se faz caminhando, a cada passo e a cada pequeno voo. Alguém fica na segurança e a gente vai. Do outro lado da escada é acompanhar esse trabalho e há várias formas de acompanhar. Tem quem apenas abre a porta, mas não acompanha, tem quem reclama para abrir a porta ou nem abre, manda você voltar depois. Tem quem transborde uma química enfumaçada que mata o que é preciso, mas também o que não era. Tem quem sai e deixa você lá dentro, encarando sozinho o que apodreceu, mas tem também quem te convide a sentar e tomar seu tempo para dar início ao trabalho. Reconhece o esforço de um trabalho tão duro, identifica as ausências, se preocupa, faz contato. Quer retomar o que foi interrompido. E assim, nesses pequenos momentos entre um cansaço e outro, é possível respirar e olhar para os lados. Ganha-se espaço, ganha-se tempo. Quem sabe uma expansão. Aquela perda pode ser encarada e aquela culpa pode ser dissolvida. E agora há uma escada para descer. Tá com medo? Vai com medo! Do alto foi possível ver mais longe, não só a beleza que ainda existe sim, insiste e faz seu horizonte, mas também o que foi retirado, transposto, o que poluiu e polui, o que é preciso conviver apesar da dureza. E na impermanência que traz os cortes, mas também os laços, em ritmos e intensidades imprevisíveis, apenas seguir. Desfrute a sua temporada.
Andréa Espínola, membro em aproximação da Formação Freudiana
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